Não preciso dizer muita coisa para quem já o
conhece, mas para quem não sabe quem ele é vou apenas dizer que este é um dos
mais proeminentes cientistas da atualidade, sucessor
do memorável Carl Sagan.
O astrofísico nova-iorquino Neil deGrasse Tyson é
um dos rostos mais conhecidos da ciência por saber traduzir, com graça e
elegância, o intrincado linguajar de estudiosos. Em suas palavras, "mostra
as reais maravilhas do conhecimento". Ele faz isso por meio de livros
best-sellers, a exemplo do mais famoso deles, Origens, lançado em
2004 nos Estados Unidos, mas que só na semana passada chegou ao Brasil. Dr.
Tyson - como é chamado - se assume como herdeiro de Carl Sagan, astrofísico que
popularizou a exploração espacial com o programa televisivo Cosmos,
dos anos 80. Não por acaso, é dele a reedição da série, que apresenta na Fox.
Tyson é defensor ferrenho do método científico como a melhor forma de explicar
a origem de tudo o que existe.
Seu livro busca compreender a origem de tudo, seja
a vida, seja o universo. Por que esse tema é tão recorrente na ciência? Se queremos analisar uma laranja, por
exemplo, podemos verificar que ela é redonda, tem gosto cítrico. Se na
experiência de laboratório destruímos a fruta, basta buscar outro exemplar e o
trabalho prossegue. Essa lógica, de estudar a existência, vale para tudo, de
organismos a estrelas. Mas e se decidirmos compreender a origem da laranja? Aí
a situação se complica. Primeiro, é simples notar que ela vem de uma árvore. E
de onde veio a árvore? De uma semente. E a semente? Mais complicação. Quando se
pergunta sobre a origem de qualquer coisa, os questionamentos não param. Em
dado momento, é inevitável chegarmos a essa indagação filosófica clássica:
"Qual é a origem da vida?". Para responder a essa questão, é preciso
elaborar argumentos c
Não preciso dizer muita coisa para quem já o
conhece, mas para quem não sabe quem ele é vou apenas dizer que este é um dos
mais proeminentes cientistas da atualidade, sucessor do memorável Carl Sagan.
O astrofísico americano Neil Degrasse Tyson é o
mais ativo divulgador da ciência depois de Carl Sagan. Em entrevista a VEJA,
ele diz que aceitar afirmações sem exigir provas é burrice e alerta contra as
polícias do pensamento
O astrofísico nova-iorquino Neil deGrasse Tyson é
um dos rostos mais conhecidos da ciência por saber traduzir, com graça e
elegância, o intrincado linguajar de estudiosos. Em suas palavras, "mostra
as reais maravilhas do conhecimento". Ele faz isso por meio de livros
best-sellers, a exemplo do mais famoso deles, Origens, lançado em 2004 nos
Estados Unidos, mas que só na semana passada chegou ao Brasil. Dr. Tyson - como
é chamado - se assume como herdeiro de Carl Sagan, astrofísico que popularizou
a exploração espacial com o programa televisivo Cosmos, dos anos 80. Não por
acaso, é dele a reedição da série, que apresenta na Fox. Tyson é defensor
ferrenho do método científico como a melhor forma de explicar a origem de tudo
o que existe.
Seu livro busca compreender a origem de tudo, seja
a vida, seja o universo. Por que esse tema é tão recorrente na ciência? Se
queremos analisar uma laranja, por exemplo, podemos verificar que ela é
redonda, tem gosto cítrico. Se na experiência de laboratório destruímos a
fruta, basta buscar outro exemplar e o trabalho prossegue. Essa lógica, de
estudar a existência, vale para tudo, de organismos a estrelas. Mas e se
decidirmos compreender a origem da laranja? Aí a situação se complica.
Primeiro, é simples notar que ela vem de uma árvore. E de onde veio a árvore?
De uma semente. E a semente? Mais complicação. Quando se pergunta sobre a
origem de qualquer coisa, os questionamentos não param. Em dado momento, é
inevitável chegarmos a essa indagação filosófica clássica: "Qual é a
origem da vida?". Para responder a essa questão, é preciso elaborar
argumentos cuidadosos, factíveis, mas extraordinariamente imaginativos. Por
isso, tantas das mentes brilhantes da humanidade se dedicaram ao desafio.
Diante da dificuldade de chegarmos à origem de tudo
o que está aí, uma busca infindável, aparentemente eterna, não seria o caso de
aceitar com mais naturalidade e compreensão as interpretações religiosas? A
religião de cada um tira conclusões precipitadas sobre o funcionamento do
universo. A ciência, no entanto, realiza medições capazes de mostrar que essas
impressões são falsas. Até hoje as pessoas dizem "God bless you"
(Deus te abençoe, em inglês) quando alguém espirra. Por quê? No passado,
acreditava-se, para valer, que, quando isso ocorria, a alma saía do corpo e
deixava a pessoa vulnerável a demônios. Um religioso pode ver o mundo dessa
maneira. A ciência verifica que há bactérias que causaram o espirro, e ponto.
Um religioso pode aceitar as descobertas e passar a usar passagens de suas
escrituras, a exemplo da Bíblia, como metáfora, fonte de inspiração. Ou entrar
em conflito conosco. Há muitos, contudo, que souberam separar os tópicos, ver a
religião como motivação moral, e a ciência como a forma de realmente explicar a
natureza. Exemplo contemporâneo é o geneticista Francis Collins, cristão e um dos
intelectuais mais respeitados da atualidade. Ele tira sua base moral da Bíblia,
mas jamais responderá a uma pergunta sobre a origem do universo dizendo:
"Bem, vamos verificar no Gênesis".
Os religiosos veem a aparente ordem do universo,
regida pelas leis da física, como prova de que há uma lógica superior
organizando tudo... Sim, a natureza se repete, e por isso definimos regras,
como a lei da gravidade. Mas é preciso tomar cuidado com essa abordagem. O.k.,
Deus então fez as leis da física, como já definia o filósofo Baruch Espinosa no
século XVII. Só que isso quer dizer que Ele ouve suas preces? Ou que ajuda
religiosos a vencer guerras contra outros religiosos? Ou que Ele tem barba? Foi
esse Deus que falou com Moisés? Se tudo isso for tomado como verdade, então
podemos dizer que Deus deixa pessoas inocentes ser atropeladas na rua. Ele
permite, portanto, que uma criança morra de leucemia. Ou ainda faz vista grossa
diante de furacões e vulcões que matam milhões, incluindo jovens e
humanitários. Para acreditar em Deus, é preciso levar tudo em conta. Se Ele
está por trás de tudo, é muito bom em matanças. Afinal, mais de 99,9% das
espécies de seres vivos que passaram pela Terra foram extintas. Isso é o acaso
da natureza? Ou é Deus? Seja qual for a resposta escolhida, é preciso assumi-la
tanto para o lado belo como para o terrível.
O senhor acredita em Deus?Dediquei tempo para
pesquisar listas de deuses na internet. Demora muitos minutos só para passar
com o mouse, sem ler, por um compilado de divindades nas quais a humanidade
acredita. São milhares! Quer dizer que a escolha de um desses deuses pressupõe,
sem escapatória, a ilegitimidade de todos os outros? Esse conflito de ideias
não é tranquilo, levou a muitas guerras. Indo além, debrucei-me sobre o Deus
mais popular do Ocidente, o judaico-cristão. Quais são suas propriedades
celebradas? A bondade, o poder absoluto e a onisciência. Visto quanto a
natureza mata, quer dizer que Ele é assassino? Se sim, não é bondoso. Se não,
Ele não é onisciente, ou todo-poderoso. Para mim, essas escolhas parecem
randômicas. Não vejo evidências que corroborem a existência de Deus. Se há um
terremoto, não é fúria divina. Geólogos avisaram que a área era vulnerável. Não
adiantava rezar pelo Haiti. O terremoto que abalou o país recentemente
ocorreria de qualquer jeito. Não me importo se acreditam em deuses. Só acho que
quem segue essa linha cega não pode distribuir culpas por aí.
O senhor utiliza frequentemente o termo
"polícia do pensamento". É uma forma de definir a postura religiosa
que ignora solenemente o pensamento científico? Quando emprego essa definição,
é para falar das pessoas que tentam ter e exercer poder pela força de seus
pensamentos. Ou seja, impondo o que todos podem, ou devem, acreditar. Essa é a
"polícia". Na ciência, não fazemos isso. A ciência é inimiga da
"polícia do pensamento".O astrofísico americano Neil Degrasse Tyson é
o mais ativo divulgador da ciência depois de Carl Sagan. Em entrevista a VEJA,
ele diz que aceitar afirmações sem exigir provas é burrice e alerta contra as
polícias do pensamento
Por: Filipe Vilicic03/07/2015 às 22:33 - Atualizado
em 03/07/2015 às 22:33
Compartilhe no FacebookCompartilhe no TwitterCompartilhe
no Google+Enviar por e-mail
(Mike Coppola/Getty Images)
O astrofísico nova-iorquino Neil deGrasse Tyson é
um dos rostos mais conhecidos da ciência por saber traduzir, com graça e
elegância, o intrincado linguajar de estudiosos. Em suas palavras, "mostra
as reais maravilhas do conhecimento". Ele faz isso por meio de livros
best-sellers, a exemplo do mais famoso deles, Origens, lançado em 2004 nos
Estados Unidos, mas que só na semana passada chegou ao Brasil. Dr. Tyson - como
é chamado - se assume como herdeiro de Carl Sagan, astrofísico que popularizou
a exploração espacial com o programa televisivo Cosmos, dos anos 80. Não por
acaso, é dele a reedição da série, que apresenta na Fox. Tyson é defensor
ferrenho do método científico como a melhor forma de explicar a origem de tudo
o que existe.
Seu livro busca compreender a origem de tudo, seja
a vida, seja o universo. Por que esse tema é tão recorrente na ciência? Se
queremos analisar uma laranja, por exemplo, podemos verificar que ela é redonda,
tem gosto cítrico. Se na experiência de laboratório destruímos a fruta, basta
buscar outro exemplar e o trabalho prossegue. Essa lógica, de estudar a
existência, vale para tudo, de organismos a estrelas. Mas e se decidirmos
compreender a origem da laranja? Aí a situação se complica. Primeiro, é simples
notar que ela vem de uma árvore. E de onde veio a árvore? De uma semente. E a
semente? Mais complicação. Quando se pergunta sobre a origem de qualquer coisa,
os questionamentos não param. Em dado momento, é inevitável chegarmos a essa
indagação filosófica clássica: "Qual é a origem da vida?". Para
responder a essa questão, é preciso elaborar argumentos cuidadosos, factíveis,
mas extraordinariamente imaginativos. Por isso, tantas das mentes brilhantes da
humanidade se dedicaram ao desafio.
Diante da dificuldade de chegarmos à origem de tudo
o que está aí, uma busca infindável, aparentemente eterna, não seria o caso de
aceitar com mais naturalidade e compreensão as interpretações religiosas? A
religião de cada um tira conclusões precipitadas sobre o funcionamento do
universo. A ciência, no entanto, realiza medições capazes de mostrar que essas
impressões são falsas. Até hoje as pessoas dizem "God bless you"
(Deus te abençoe, em inglês) quando alguém espirra. Por quê? No passado,
acreditava-se, para valer, que, quando isso ocorria, a alma saía do corpo e
deixava a pessoa vulnerável a demônios. Um religioso pode ver o mundo dessa
maneira. A ciência verifica que há bactérias que causaram o espirro, e ponto. Um
religioso pode aceitar as descobertas e passar a usar passagens de suas
escrituras, a exemplo da Bíblia, como metáfora, fonte de inspiração. Ou entrar
em conflito conosco. Há muitos, contudo, que souberam separar os tópicos, ver a
religião como motivação moral, e a ciência como a forma de realmente explicar a
natureza. Exemplo contemporâneo é o geneticista Francis Collins, cristão e um
dos intelectuais mais respeitados da atualidade. Ele tira sua base moral da
Bíblia, mas jamais responderá a uma pergunta sobre a origem do universo
dizendo: "Bem, vamos verificar no Gênesis".
Os religiosos veem a aparente ordem do universo,
regida pelas leis da física, como prova de que há uma lógica superior
organizando tudo... Sim, a natureza se repete, e por isso definimos regras,
como a lei da gravidade. Mas é preciso tomar cuidado com essa abordagem. O.k.,
Deus então fez as leis da física, como já definia o filósofo Baruch Espinosa no
século XVII. Só que isso quer dizer que Ele ouve suas preces? Ou que ajuda
religiosos a vencer guerras contra outros religiosos? Ou que Ele tem barba? Foi
esse Deus que falou com Moisés? Se tudo isso for tomado como verdade, então
podemos dizer que Deus deixa pessoas inocentes ser atropeladas na rua. Ele
permite, portanto, que uma criança morra de leucemia. Ou ainda faz vista grossa
diante de furacões e vulcões que matam milhões, incluindo jovens e
humanitários. Para acreditar em Deus, é preciso levar tudo em conta. Se Ele
está por trás de tudo, é muito bom em matanças. Afinal, mais de 99,9% das
espécies de seres vivos que passaram pela Terra foram extintas. Isso é o acaso
da natureza? Ou é Deus? Seja qual for a resposta escolhida, é preciso assumi-la
tanto para o lado belo como para o terrível.
O senhor acredita em Deus?Dediquei tempo para pesquisar
listas de deuses na internet. Demora muitos minutos só para passar com o mouse,
sem ler, por um compilado de divindades nas quais a humanidade acredita. São
milhares! Quer dizer que a escolha de um desses deuses pressupõe, sem
escapatória, a ilegitimidade de todos os outros? Esse conflito de ideias não é
tranquilo, levou a muitas guerras. Indo além, debrucei-me sobre o Deus mais
popular do Ocidente, o judaico-cristão. Quais são suas propriedades celebradas?
A bondade, o poder absoluto e a onisciência. Visto quanto a natureza mata, quer
dizer que Ele é assassino? Se sim, não é bondoso. Se não, Ele não é onisciente,
ou todo-poderoso. Para mim, essas escolhas parecem randômicas. Não vejo
evidências que corroborem a existência de Deus. Se há um terremoto, não é fúria
divina. Geólogos avisaram que a área era vulnerável. Não adiantava rezar pelo
Haiti. O terremoto que abalou o país recentemente ocorreria de qualquer jeito.
Não me importo se acreditam em deuses. Só acho que quem segue essa linha cega
não pode distribuir culpas por aí.
O senhor utiliza frequentemente o termo
"polícia do pensamento". É uma forma de definir a postura religiosa
que ignora solenemente o pensamento científico? Quando emprego essa definição,
é para falar das pessoas que tentam ter e exercer poder pela força de seus
pensamentos. Ou seja, impondo o que todos podem, ou devem, acreditar. Essa é a
"polícia". Na ciência, não fazemos isso. A ciência é inimiga da
"polícia do pensamento".
FONTE: http://veja.abril.com.br/noticia/ciencia/nao-vejo-evidencias-que-corroborem-a-existencia-de-deus/uidadosos,
factíveis, mas extraordinariamente imaginativos. Por isso, tantas das mentes
brilhantes da humanidade se dedicaram ao desafio.
Diante da dificuldade de chegarmos à origem de tudo
o que está aí, uma busca infindável, aparentemente eterna, não seria o caso de
aceitar com mais naturalidade e compreensão as interpretações religiosas? A religião de cada um tira conclusões
precipitadas sobre o funcionamento do universo. A ciência, no entanto, realiza
medições capazes de mostrar que essas impressões são falsas. Até hoje as
pessoas dizem "God bless you" (Deus te abençoe, em inglês)
quando alguém espirra. Por quê? No passado, acreditava-se, para valer, que,
quando isso ocorria, a alma saía do corpo e deixava a pessoa vulnerável a
demônios. Um religioso pode ver o mundo dessa maneira. A ciência verifica que
há bactérias que causaram o espirro, e ponto. Um religioso pode aceitar as
descobertas e passar a usar passagens de suas escrituras, a exemplo da Bíblia,
como metáfora, fonte de inspiração. Ou entrar em conflito conosco. Há muitos,
contudo, que souberam separar os tópicos, ver a religião como motivação moral,
e a ciência como a forma de realmente explicar a natureza. Exemplo
contemporâneo é o geneticista Francis Collins, cristão e um dos intelectuais
mais respeitados da atualidade. Ele tira sua base moral da Bíblia,
mas jamais responderá a uma pergunta sobre a origem do universo dizendo:
"Bem, vamos verificar no Gênesis".
Os religiosos veem a aparente ordem do universo,
regida pelas leis da física, como prova de que há uma lógica superior
organizando tudo... Sim, a natureza se repete, e por
isso definimos regras, como a lei da gravidade. Mas é preciso tomar cuidado com
essa abordagem. O.k., Deus então fez as leis da física, como já definia o
filósofo Baruch Espinosa no século XVII. Só que isso quer dizer que Ele ouve
suas preces? Ou que ajuda religiosos a vencer guerras contra outros religiosos?
Ou que Ele tem barba? Foi esse Deus que falou com Moisés? Se tudo isso for
tomado como verdade, então podemos dizer que Deus deixa pessoas inocentes ser
atropeladas na rua. Ele permite, portanto, que uma criança morra de leucemia.
Ou ainda faz vista grossa diante de furacões e vulcões que matam milhões,
incluindo jovens e humanitários. Para acreditar em Deus, é preciso levar tudo
em conta. Se Ele está por trás de tudo, é muito bom em matanças. Afinal, mais
de 99,9% das espécies de seres vivos que passaram pela Terra foram extintas. Isso
é o acaso da natureza? Ou é Deus? Seja qual for a resposta escolhida, é preciso
assumi-la tanto para o lado belo como para o terrível.
O senhor acredita em Deus?Dediquei tempo para pesquisar listas de deuses na
internet. Demora muitos minutos só para passar com o mouse, sem ler, por um
compilado de divindades nas quais a humanidade acredita. São milhares! Quer
dizer que a escolha de um desses deuses pressupõe, sem escapatória, a
ilegitimidade de todos os outros? Esse conflito de ideias não é tranquilo, levou
a muitas guerras. Indo além, debrucei-me sobre o Deus mais popular do
Ocidente, o judaico-cristão. Quais são suas propriedades celebradas? A bondade,
o poder absoluto e a onisciência. Visto quanto a natureza mata, quer dizer que
Ele é assassino? Se sim, não é bondoso. Se não, Ele não é onisciente, ou todo-poderoso.
Para mim, essas escolhas parecem randômicas. Não vejo evidências que corroborem
a existência de Deus. Se há um terremoto, não é fúria divina. Geólogos avisaram
que a área era vulnerável. Não adiantava rezar pelo Haiti. O terremoto que
abalou o país recentemente ocorreria de qualquer jeito. Não me importo se
acreditam em deuses. Só acho que quem segue essa linha cega não pode distribuir
culpas por aí.
O senhor utiliza frequentemente o termo "polícia
do pensamento". É uma forma de definir a postura religiosa que ignora
solenemente o pensamento científico? Quando
emprego essa definição, é para falar das pessoas que tentam ter e exercer poder
pela força de seus pensamentos. Ou seja, impondo o que todos podem, ou devem,
acreditar. Essa é a "polícia". Na ciência, não fazemos isso. A
ciência é inimiga da "polícia do pensamento".O astrofísico americano
Neil Degrasse Tyson é o mais ativo divulgador da ciência depois de Carl Sagan.
Em entrevista a VEJA, ele diz que aceitar afirmações sem exigir provas é
burrice e alerta contra as polícias do pensamento
Por: Filipe Vilicic03/07/2015 às 22:33 - Atualizado
em 03/07/2015 às 22:33
Compartilhe no FacebookCompartilhe no
TwitterCompartilhe no Google+Enviar por e-mail
(Mike Coppola/Getty Images)
O astrofísico nova-iorquino Neil deGrasse Tyson é
um dos rostos mais conhecidos da ciência por saber traduzir, com graça e
elegância, o intrincado linguajar de estudiosos. Em suas palavras, "mostra
as reais maravilhas do conhecimento". Ele faz isso por meio de livros
best-sellers, a exemplo do mais famoso deles, Origens, lançado em 2004 nos
Estados Unidos, mas que só na semana passada chegou ao Brasil. Dr. Tyson - como
é chamado - se assume como herdeiro de Carl Sagan, astrofísico que popularizou
a exploração espacial com o programa televisivo Cosmos, dos anos 80. Não por
acaso, é dele a reedição da série, que apresenta na Fox. Tyson é defensor
ferrenho do método científico como a melhor forma de explicar a origem de tudo
o que existe.
Seu livro busca compreender a origem de tudo, seja
a vida, seja o universo. Por que esse tema é tão recorrente na ciência? Se
queremos analisar uma laranja, por exemplo, podemos verificar que ela é
redonda, tem gosto cítrico. Se na experiência de laboratório destruímos a
fruta, basta buscar outro exemplar e o trabalho prossegue. Essa lógica, de
estudar a existência, vale para tudo, de organismos a estrelas. Mas e se
decidirmos compreender a origem da laranja? Aí a situação se complica. Primeiro,
é simples notar que ela vem de uma árvore. E de onde veio a árvore? De uma
semente. E a semente? Mais complicação. Quando se pergunta sobre a origem de
qualquer coisa, os questionamentos não param. Em dado momento, é inevitável
chegarmos a essa indagação filosófica clássica: "Qual é a origem da
vida?". Para responder a essa questão, é preciso elaborar argumentos
cuidadosos, factíveis, mas extraordinariamente imaginativos. Por isso, tantas
das mentes brilhantes da humanidade se dedicaram ao desafio.
Diante da dificuldade de chegarmos à origem de tudo
o que está aí, uma busca infindável, aparentemente eterna, não seria o caso de
aceitar com mais naturalidade e compreensão as interpretações religiosas? A
religião de cada um tira conclusões precipitadas sobre o funcionamento do
universo. A ciência, no entanto, realiza medições capazes de mostrar que essas
impressões são falsas. Até hoje as pessoas dizem "God bless you"
(Deus te abençoe, em inglês) quando alguém espirra. Por quê? No passado, acreditava-se,
para valer, que, quando isso ocorria, a alma saía do corpo e deixava a pessoa
vulnerável a demônios. Um religioso pode ver o mundo dessa maneira. A ciência
verifica que há bactérias que causaram o espirro, e ponto. Um religioso pode
aceitar as descobertas e passar a usar passagens de suas escrituras, a exemplo
da Bíblia, como metáfora, fonte de inspiração. Ou entrar em conflito conosco.
Há muitos, contudo, que souberam separar os tópicos, ver a religião como
motivação moral, e a ciência como a forma de realmente explicar a natureza.
Exemplo contemporâneo é o geneticista Francis Collins, cristão e um dos
intelectuais mais respeitados da atualidade. Ele tira sua base moral da Bíblia,
mas jamais responderá a uma pergunta sobre a origem do universo dizendo: "Bem,
vamos verificar no Gênesis".
Os religiosos veem a aparente ordem do universo,
regida pelas leis da física, como prova de que há uma lógica superior
organizando tudo... Sim, a natureza se repete, e por isso definimos regras,
como a lei da gravidade. Mas é preciso tomar cuidado com essa abordagem. O.k.,
Deus então fez as leis da física, como já definia o filósofo Baruch Espinosa no
século XVII. Só que isso quer dizer que Ele ouve suas preces? Ou que ajuda
religiosos a vencer guerras contra outros religiosos? Ou que Ele tem barba? Foi
esse Deus que falou com Moisés? Se tudo isso for tomado como verdade, então
podemos dizer que Deus deixa pessoas inocentes ser atropeladas na rua. Ele
permite, portanto, que uma criança morra de leucemia. Ou ainda faz vista grossa
diante de furacões e vulcões que matam milhões, incluindo jovens e
humanitários. Para acreditar em Deus, é preciso levar tudo em conta. Se Ele
está por trás de tudo, é muito bom em matanças. Afinal, mais de 99,9% das
espécies de seres vivos que passaram pela Terra foram extintas. Isso é o acaso
da natureza? Ou é Deus? Seja qual for a resposta escolhida, é preciso assumi-la
tanto para o lado belo como para o terrível.
O senhor acredita em Deus?Dediquei tempo para
pesquisar listas de deuses na internet. Demora muitos minutos só para passar
com o mouse, sem ler, por um compilado de divindades nas quais a humanidade
acredita. São milhares! Quer dizer que a escolha de um desses deuses pressupõe,
sem escapatória, a ilegitimidade de todos os outros? Esse conflito de ideias
não é tranquilo, levou a muitas guerras. Indo além, debrucei-me sobre o Deus
mais popular do Ocidente, o judaico-cristão. Quais são suas propriedades
celebradas? A bondade, o poder absoluto e a onisciência. Visto quanto natureza
mata, quer dizer que Ele é assassino? Se sim, não é bondoso. Se não, Ele não é
onisciente, ou todo-poderoso. Para mim, essas escolhas parecem randômicas. Não
vejo evidências que corroborem a existência de Deus. Se há um terremoto, não é
fúria divina. Geólogos avisaram que a área era vulnerável. Não adiantava rezar
pelo Haiti. O terremoto que abalou o país recentemente ocorreria de qualquer
jeito. Não me importo se acreditam em deuses. Só acho que quem segue essa linha
cega não pode distribuir culpas por aí.
O senhor utiliza frequentemente o termo
"polícia do pensamento". É uma forma de definir a postura religiosa
que ignora solenemente o pensamento científico? Quando emprego essa definição,
é para falar das pessoas que tentam ter e exercer poder pela força de seus
pensamentos. Ou seja, impondo o que todos podem, ou devem, acreditar. Essa é a
"polícia". Na ciência, não fazemos isso. A ciência é inimiga da
"polícia do pensamento".